sábado, 11 de dezembro de 2010

Aqui vou eu! Afinal, como diz o Paulinho: “as coisas estão no mundo, só o que preciso é aprendê-las”.
Mas não é fácil! Mil gentes falaram, uma amiga chegou a fazer um blog que nunca usei e o Celso Martins, há tempo, vem me atazanando, insistindo que todos têm e também tenho de ter. Um dia me liga, manda que entre na internet e faça assim-assim que já tá lá: Meu blog.
Bicho enxerido que é jornalista! Até nome do blog o Celso inventou: Blog do Raul Longo!
“Quem pensa que é Raul Longo para ser nome de blog?” Não penso nada! Quem pensou foi o Celso. Por mim jamais me meteria nesse assunto, apesar de todo mundo dizer que é fácil.
Fácil pra quem informática não se resume à máquina de escrever e telégrafo sem fio! Mas como já deu pra sentir que da aposentada Olivetti ao computador, a distância se aproxima a das cuneiformes escritas dos sumérios até a datilografia no teclado do italiano Pellegrini Turri (sim, consultar o Google e o Wikipédia também sei); resolvi aderir à evolução insistida pelo amigo. Mas não me acusem de autor intelectual.
Com a arma na mão, fiquei matutando. “E que crime cometo agora?”
Pra não desperdiçar munição, pedi pro Celso mesmo reciclar uns chumbinhos que andei disparando num abusado que se meteu a querer sujar o laguinho daqui da comunidade, só pra reafirmar desaforos. Mas depois da temporada de caça ao Eike Batista, com a grita do povo o galalau se escafedeu para outros confins e fiquei sem em quem praticar a mira. Ainda sem saber como recarregar o blog me deixei de tocaia, procurando bicho de maior porte, caça de mais sustança. Pensei até em deflagrar uma guerra geral, mas nesse meio tempo um australiano ousado tomou minha dianteira com um tal WikiLeaks que transformou a incipiente winchester do meu blog num papo-amarelo. Apesar de também saber como se consulta os dicionários, concluí que com essa hoploteca -- (arsenal, segundo o Houaiss, mas o Aurélio não registra. Ou um inventa ou o outro era analfabeto) -- mal chego a Stanley Burburinho. Quanto mais a Julian Assange!
Daí que fiquei vagando, moscando na mira, buscando um alvo, assuntando, rastreando... E achei! VOCÊ!
É! VOCÊ mesmo! Ou tem outro lendo por cima do seu cangote? Alguém que chamou pra ler esse maluco, tarado que sem mais aquela tá te apontando um blog carregado?!! Se tiver outro aí contigo, perderam os dois!
Consciência ao alto que daqui pra frente meu assunto é contigo! Cansei de caça magra, raquítica! Essa gente pequena de carne dura e insípida. Cansei da rigidez de opiniões formadas por leituras de bula de remédio pra asma da alma e manual de instrução para consciências de laboratório midiático. Quem gosta de roer casco de tartaruga é jacaré e telespectador da Globo e do SBT. Eu quero é carne fresca, tenra, viva. Qualquer coisa que pulse! Exista por moto próprio!
Essa caça em que andei desperdiçando chumbo grosso pelos blogs de amigos e companheiros, era só por esporte, passatempo. Carne venosa, não serve pra consumo. Intoxica!
Então agora é com você mesmo!
Só que temos de fazer um trato: eu te caço, mas você é quem vai ter de me digerir. Vai ter de me mastigar com muita paciência, aprender dos meus sabores, reclamar do tempero, da consistência, textura e tudo mais.
Aí vai engolir pedacinho a pedacinho, palavra por palavra, parágrafo a parágrafo. Pode vomitar a vontade, tudo o que quiser! Ainda não sei como é se que faz isso e é você que vai ter de me ensinar o jeito para que você mesmo possa escrever direto pro blog. Vai ter de me ensinar tudo e com muita paciência, muita calma. Nada de bancar o afobadinho!
Não se esqueça de que não sei lidar com ela, mas sou quem tem a arma na mão. É como se dissessem: “- A grana ou a vida!” e você mais que depressa fosse logo passando a carteira, mas o assaltante exige que tenha calma, vá devagar e carregue o revólver, direcione a mira porque ele não enxerga, não sabe exatamente em que posição e direção você está.
Por mera vaidade você iria se aproveitar pra inverter a situação? Passar pelo vexame de ser o assaltado roubando assaltante cego? Fala sério!
Aqui é a mesma coisa. Cada um cumpre seu papel como em novela de televisão. Meu núcleo é dos blogueiros e o seu é dos blogados. Mas não se preocupe que seu nome vai aparecer em todos os créditos ao final do capítulo. Disso eu mesmo faço questão!
Até porque se der alguma merda, já vou logo avisando: “A arma tava na minha mão, mas quem atirou foi a vítima!”
Não se preocupe que vai dar certo. Não viu aquele episódio da polícia de São Paulo que devolveu a refém pro bandido? Então! E eu prometo tudo: Ministério da Segurança Pública, bolsa blog triplicada, quantos professores em sala de aula quiser. O único detalhe é que é você quem vai de ter de ensinar, porque já disse que não sei nadica de nada.
É só ficar no seu papel sem jogar bolinha, porque isso de bolsa blog é na base do voluntariado compulsório.
E pra não tentar nenhuma bobagem, além de toda essa explicação do que tem de fazer, até me dei ao trabalho de inserir nessa primeira edição, de exemplo, um texto que produzi sobre o lançamento da biografia do meu amigo Atahaulpa.
Na hipótese de não conhecer o Athaualpa (também não se pode exigir demais), falei um pouco do Chico Buarque de Holanda. Esse você conhece? 
Tem também uma declaração de amor para uma senhora por quem sempre fui apaixonado: a cidade do Rio de Janeiro. E se ainda não sabe, aprenda: pode mexer com a mulher, mas não se meta com as amantes! Respeito é bom e eu gosto.
Pra você ter uma ideia do que poderá e deverá fazer, já pus aí a participação das primeiras vítimas deste blog: as Irmãs Coragem de Curitiba.
Não conhece as Irmãs Coragem? Pois vai ficar conhecendo. E elas vão conhecer você também, já que a ideia é essa mesma. Aqui somos nós e você. Nós, sou eu mesmo, e você é cada leitor. Você que está lendo e quem ainda não leu, mas vai ler porque você vai mandar que leia. Não estou aqui pra ficar perdendo de meu tempo, mas sim pra ocupar do seu divulgando este blog. Use de sua curiosidade e descubra como.
Observe na colaboração das Irmãs Coragem que ao enviarem o link da matéria, sequer sabiam que estariam colaborando com blog nenhum. Internet é isso mesmo:
caiu na rede é peixe.
E apesar da matéria ser do O Globo, o peixe é grande: Oscar Niemayer.
Pois é camarada... Todo mundo tem de se virar! Acabou moleza! Agora até O Globo tem de promover comunista e intelectual de 103 anos de idade virar sambista.  Por isso, mexa essa consciência gorda! Quero ver todo mundo malhando no teclado!
Outra coisa: o blog quem fez foi o Celso Martins, amigo, vizinho e jornalista. Fez de companheiro que é e não posso ficar explorando o rapaz. Então quem vai mudar, dar cara nova, mais personalizada, deixar mais bonito e inventar novidades é você mesmo que não tô aqui pra por azeitona na sua empada.
Não precisa ter pressa! Me escreve, explica direitinho como é que tem de fazer, onde devo clicar, que programa usar. Se eu não tiver, manda o programa também ou diz como consigo. Tudo com muita calma e nada de apavoramento, porque se isso escorrega e dispara mais uma bala perdida, não me responsabilizo.
Por falar em responsabilidade, esse nome que o Celso deu ao blog é muito comprometedor. Como é que me explico, depois?
Então Já tens aí uma tarefa! Arrume outro nome pro blog. Pra não ficar reclamando e dizer que estou sendo muito folgado, dou uma primeira sugestão: NÓS E VOCÊ.
Apesar de que estou no controle da situação, não precisa gostar. É só sugestão. Deixo você decidir e, de preferência, enviar outras sugestões para os outros de vocês decidirem. E sem reclamar  porque esse negócio de decidir não é meu papel.
Eu sou o Nós e não preciso decidir nada! Você é que se vire!
    

O MEU AMIGO ATAHUALPA - e uma pretensa definição de literatura -
No mesmo dia em que recebo pelo correio eletrônico a imprecisa definição de que “literatura é a arte de escolher palavras”, de alguém se pretendendo crítico literário para tentar convencer que Chico Buarque de Holanda não é escritor; também recebo pelo postal a biografia do meu amigo Atahualpa.
Não sei se o meu amigo tem alguma descendência peruana, pois, conforme sua biógrafa, impossível determinar-lhe procedências dadas às insólitas e precárias condições de seu início de vida. Pelas bem definidas sobrancelhas, o vasto bigode e olhar profundo, sempre me fez lembrar Nietzsche, mas nem por isso o definiria de procedência germânica. Até porque nenhum alemão ou austríaco batizaria um filho como o nome de Atahualpa.
Para quem não sabe, Atahualpa é nome muito comum em todos os países de língua espanhola da América do Sul. Ou seja: menos o Brasil e as Guianas. Nós, colonizados pelos portugueses e as Guianas por ingleses, franceses e holandeses, naquela que hoje é conhecida por Suriname.
Talvez exista mais alguém com o nome de Atahualpa aqui no Brasil, além do meu amigo. Mas não conheço.
Provindo do quéchua, Ataw Wallpa foi o nome do mais importante entre os últimos imperadores Incas. Foi traído e aprisionado pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro que ardilosamente convidou Atahualpa para um jantar amigável na cidade andina de Cajamarca. Em duas horas os cristãos trucidaram mais de 6 mil incas e Atahualpa foi aprisionado no Templo do Sol.
Em troca de sua liberdade Atahualpa entregou ao espanhol uma enorme quantia em ouro. Tanto, que preencheu o aposento em que era mantido prisioneiro, e ainda deu o dobro daquela quantia em prata. Mas o cristão não manteve a palavra e submeteu Atahualpa à farsa de um julgamento sob 12 acusações pelas quais foi condenado à fogueira.
No momento da execução Atahualpa aceitou o acordo imposto pelo padre Vicente Valverde e permitiu ser batizado como convertido ao deus e à religião católica, para logo em seguida ser executado por estrangulamento.
Isso foi em 26 de julho de 1533, mas não me consta que, apesar do pedido de desculpas aos judeus, algum papa tenha reconhecido os crimes da Igreja contra Incas, Astecas, Tupis, Guaranis ou tantos dos povos dizimados pelo cristianismo.
No entanto, tenho a impressão de que meu amigo Atahualpa está pouco se lixando para os papas. Mais que isso, creio mesmo que apesar da aparência física com o Nietzsche, superou o sábio alemão nesse sentido. Nietzsche costumava declarar que Deus está morto, Atahualpa certamente nunca acreditou na existência desse personagem e tão pouco faz questão de conferir a própria imagem e semelhança a qualquer divindade. Daí me parecer que mesmo que porventura admire a Nietzsche, não procura imitá-lo nem realçar a casual parecença.
Mas voltando ao herói e mártir Atahualpa, tornou-se um arquétipo da resistência sul americana ao colonialismo imposto ao continente ao longo dos últimos 500 anos, justificando os tantos Atahualpas da Patagônia ao Golfo de Urabá, ao norte da Colômbia, onde fazemos divisa com a América Central.
Héctor Roberto Chavero, por exemplo, nascido na província de Buenos Aires em 1908 e falecido em Paris em 1992, adotou como pseudônimo nome e sobrenome de Atahualpa que foi neto de Tupac Yupanqui. Como Atahualpa Yupanqui, Héctor Chavero se fez compositor, cantor, violinista e escritor argentino de renome internacional tal qual o Chico Buarque de Holanda, para desespero do crítico que inadvertidamente me enviaram pela internet.
A mãe de Atahualpa, Tocto Pala, não era inca. Mas por ter sido uma princesa equatoriana, natural de Quito, o nome do herói muito se propagou por aquele país, conforme nos conta o brasileiro Paulo de Carvalho Neto no excelente romance “Meu Tio Atahualpa”, onde reporta com muito humor a sabedoria da cultura popular equatoriana, assimilada quando ali representou o Brasil como diplomata.
Quanto ao Chico Buarque, ouvi dizer que sequer conheceu Budapeste embora um húngaro tenha me garantido que conseguiu reproduzir com muita fidelidade o clima humano da cidade. De fato, pelo menos para quem não conhece aquele trecho do Danúbio nem do lado Buda nem do lado Peste, ou quaisquer das outras margens do famoso rio, descreveu a capital da cultura dos magiares de forma muito convincente.
Mas o crítico não gostou e nem considera literatura. Tudo porque resolveu que Chico escolheu mal as palavras ao afirmar que o personagem do romance tenha assistido “por alto” a um noticiário de TV em idioma desconhecido, conforme explica a história de um fictício escritor que ali aportou por um imprevisto ocorrido durante uma viagem aérea.
Nem mesmo aos nossos noticiários consigo dar atenção, mas o crítico encasquetou que todos têm de levar tão a sério quanto ele as enormes bobagens da TV. Outros, como José Saramago, José Miguel Wisnik, Urariano Mota, Caetano Veloso e Luís Fernando Veríssimo; gostaram muito do Budapeste do Chico. Por certo também não dão muita atenção a TV ou não acreditam que produzir literatura seja apenas escolher palavras.
Seja lá o que for eu é que não seria besta de me pressupor capaz de criar definições para uma arte milenar que compreende tantos gêneros e expressões, inclusive sem palavra alguma como em histórias contadas por gestos, imagens e até por sombras, com conteúdo evidentemente literário.
Por outro lado, muito me orgulho em poder estrear este blog escrevendo sobre a biografia do meu amigo que acaba de ser lançada. Aliás, convém lembrar que Atahualpa também é um grande contador de histórias e a ele não fazem falta as palavras. Na última vez que esteve em minha casa, contou uma história tão intensa e emotiva à minha cachorra Canela que a fez correr pela casa pulando de sofá em sofá, como se estivesse conquistando uma selva.
Duvido que o crítico do Chico produza o mesmo efeito! E a julgar pelos caninos da Canela, seu poder de crítica é bem menos inócuo.
Mas é preciso falar do livro com capa ilustrada por um expressivo close fotográfico do biografado imitando Einstein ao mostrar a língua. Na verdade, ainda não li a obra, mas assim mesmo posso recomendá-la com total segurança e não apenas pela intrigante personalidade do personagem meu amigo como, sobretudo, pela certeza de que a autora não é apenas uma mera escolhedora de palavras, como quem cata arroz carunchado. Nas livrarias ou no portal da Livrarias Curitiba na internet (http://www.livrariascuritiba.com.br/)  consultem sobre o último lançamento de Urda Alice Klueger pela Editora Hemisfério Sul.
Em sua vaidade, Atahualpa não se deixaria contar por ninguém menos e isso também provocou o ciúme de Sandra Tolfo, que confessa: “Eu poderia escrever muita coisa sobre o Atahualpa. Poderia contar de nossas brincadeiras, de quando o ensinei a falar, das poses para as fotos, dos meus lanches divididos com ele, mas... essas memórias tomariam muito espaço”.
É certo que, igualmente, se denota aqui uma ponta de inveja, mas muito compreensível pela intimidade e o carinho da cientista social pelo Atahualpa. Aceitável, pois não se evidencia nenhum despeito, nenhuma dor de cotovelo.
Mas o que dizer do ridículo catador de palavras? Só mesmo escolhendo as do velho lugar comum, pois, enquanto os cães ladram, Atahualpa e Chico Buarque passam.

Às vésperas de seus 103 anos, Oscar Niemeyer se lança como compositor e faz música com Edu Krieger
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/12/03/as-vesperas-de-seus-103-anos-oscar-niemeyer-se-lanca-como-compositor-faz-musica-com-edu-krieger-923177706.asp
enviado por: Izabel Aparecida Fernandes (do grupo Irmãs Coragem)



MEU SONHO CARIOCA
Amo o Rio
da rua,
da lua,
da morena,
loira, mulata
quase nua.
Da pelada
na praia,
e o grito que
lambe vontades:
“- Olha o picolé!”
Língua gelada
sorvendo imaginações
na espuma do chope
no bar da calçada...
Amo o Rio
nas curvas
das pedras nas calçadas
jogadas
em sinuosas
conversas
de azar e sorte.
Amo o Rio
de sul a norte,
por todas as zonas:
das cálidas à erógenas.
O Rio
do bicho de
cada sonho
de Janeiro,
no verão de
um ano inteiro.
Amo o Rio
das luzes de todas as noites,
e das liberalidades nos escurinhos.
Amo o Rio
mesmo sozinho,
mas mais saudade
tenho de liberalidades
de bronzeadas vaidades.

Entre Corcovado
e Pão de Açucar,
amo o Rio da Gávea à Urca.
Rio do ardente
Flamengo.
Ipanema nem se
fala!
Meier, Cadete.
Escadaria da Penha
e Pça Saenz Pena.
Amo qualquer Rio.
No Leblon
era muito bom,
mas Copacabana,
mentindo recato,
foi a mais sacana!
Amo o Rio
livre
e moleque
na saída da escola,
puxando trancinha
de Marianinha.
Rio menino
querendo atenção
no que mente o coração.
Rio que sobe
e desce
no limite da realidade,
onde a fantasia se estabelece
desenhando avenidas.
Rio de tantas vidas.
E antes que em tudo
se Botafogo,
me despacho aos Engenhos da Rainha,
e me dou à Leopoldina
até que um Cascadura
arrota a Madureira.
Escapo pra
Lapa pagando penitência
no regaço de Sta. Tereza.
Abençoado pecado!
Ah! Meu Rio de tantas certezas
por onde me enganei!
O Rio que eu sei.
Amo o Rio
incerto,
insólito,
onde a vida
é uma alegoria
a desfilar destaques
de uma noite
que não se fez,
num dia que não vem.
Meu Rio que vai
samba e volta harmonia
desce bossa e sobe alegria.
Amo o Rio
que chora
no olho da morena
esperando de março
à fevereiro
por um onipresente
Janeiro
de mornas vontades.
Meu Rio de tantas saudades.
Aquele Rio de todas
as anedotas,
de tantas lorotas.
Rio experto.
Rio otário.
Quem saberá
onde mora a verdade
em tal sonho
de cidade?
Amo o Rio
do asfalto
e do alto,
desenhando anoitecer
quando acabo de acordar
Inventando desanoitecer
na hora de deitar.

Rio fora do fuso horário
que me perde em passos bêbados e trôpego
que me encontra entre praias e aterros.
Túneis e escadarias.
Descaminhos
de intransponíveis lençóis
de Negras escorregadias
gotejando pelas siluetas
dos morros.
Loiras ou morenas defenestradas
- ao alto -
de janelas acenam adeuses
até descobrir-me o anjo torto,
roto e caído.
Lançado ao acaso
da madrugada
que no próximo bar
poderá ser o descanso
na cadeira mulata.
Ou pode ser o nada
do Rio de minha solidão.
O Rio da mágoa
nas tranças de Marianinha.
O Rio no sorriso
maroto
de Marianinha.
Amo todos os Rios!
De Janeiro a janeiro,
de Sul à Norte. 
Amo o Rio
onde madrugada
estala sem bala
e sem medo.
Perdida só a dor
da negra que me ignora
e, degrau a degrau,
pisa em minha ilusão.
Amo o Rio
da escada
de onde diviso
- lá! -
a benção e o abraço
ao encanto Guanabara!
Meu engano Guanabara.
Amo esse Rio
que me comove
a tanto de não
definir
- no sonho -
o bicho que vai dar,
o bicho que vai pegar.
Amo o Rio
do bicho que não deu.
O Rio
de todos os níveis
de meus sonhos
indefiníveis.
Parem com esse
pesadelo!
Preciso saber
em que bicho
jogar.
Parem  com esse
pesadelo!
No abraço do Cristo,
entre o Pão de Açúcar
e o Corcovado,
preciso
delineado o sorriso
entre tranças carapinhas
da menina Marianinha.
Parem com esse
pesadelo
para meu sonho
voar feito pipa,
gaivota
desenhando a paz
do riso da criança
e na esperança
do aposentado.
Parem com esse
azar!

sábado, 11 de dezembro de 2010

Aqui vou eu! Afinal, como diz o Paulinho: “as coisas estão no mundo, só o que preciso é aprendê-las”.
Mas não é fácil! Mil gentes falaram, uma amiga chegou a fazer um blog que nunca usei e o Celso Martins, há tempo, vem me atazanando, insistindo que todos têm e também tenho de ter. Um dia me liga, manda que entre na internet e faça assim-assim que já tá lá: Meu blog.
Bicho enxerido que é jornalista! Até nome do blog o Celso inventou: Blog do Raul Longo!
“Quem pensa que é Raul Longo para ser nome de blog?” Não penso nada! Quem pensou foi o Celso. Por mim jamais me meteria nesse assunto, apesar de todo mundo dizer que é fácil.
Fácil pra quem informática não se resume à máquina de escrever e telégrafo sem fio! Mas como já deu pra sentir que da aposentada Olivetti ao computador, a distância se aproxima a das cuneiformes escritas dos sumérios até a datilografia no teclado do italiano Pellegrini Turri (sim, consultar o Google e o Wikipédia também sei); resolvi aderir à evolução insistida pelo amigo. Mas não me acusem de autor intelectual.
Com a arma na mão, fiquei matutando. “E que crime cometo agora?”
Pra não desperdiçar munição, pedi pro Celso mesmo reciclar uns chumbinhos que andei disparando num abusado que se meteu a querer sujar o laguinho daqui da comunidade, só pra reafirmar desaforos. Mas depois da temporada de caça ao Eike Batista, com a grita do povo o galalau se escafedeu para outros confins e fiquei sem em quem praticar a mira. Ainda sem saber como recarregar o blog me deixei de tocaia, procurando bicho de maior porte, caça de mais sustança. Pensei até em deflagrar uma guerra geral, mas nesse meio tempo um australiano ousado tomou minha dianteira com um tal WikiLeaks que transformou a incipiente winchester do meu blog num papo-amarelo. Apesar de também saber como se consulta os dicionários, concluí que com essa hoploteca -- (arsenal, segundo o Houaiss, mas o Aurélio não registra. Ou um inventa ou o outro era analfabeto) -- mal chego a Stanley Burburinho. Quanto mais a Julian Assange!
Daí que fiquei vagando, moscando na mira, buscando um alvo, assuntando, rastreando... E achei! VOCÊ!
É! VOCÊ mesmo! Ou tem outro lendo por cima do seu cangote? O amorzinho que chamou pra ler esse maluco, tarado que sem mais aquela tá te apontando um blog carregado?!! Se tiver mais um aí contigo, perderam os dois!
Consciência ao alto que daqui pra frente meu assunto é contigo! Cansei de caça magra, raquítica! Essa gente pequena de carne dura e insípida. Cansei da rigidez de opiniões formadas por leituras de bula de remédio pra asma da alma e manual de instrução para consciências de laboratório midiático. Quem gosta de roer casco de tartaruga é jacaré e eu quero carne fresca, tenra, viva. Qualquer coisa que pulse! Exista por moto próprio!
Essa caça em que andei desperdiçando chumbo grosso pelos blogs de amigos e companheiros, era só por esporte, passatempo. Carne venosa, não serve pra consumo. Intoxica!
Então agora é com você mesmo!
Só que temos de fazer um trato: eu te caço, mas você é quem vai ter de me digerir. Vai ter de me mastigar com muita paciência, aprender dos meus sabores, reclamar do tempero, da consistência, textura e tudo mais.
Aí vai engolir pedacinho a pedacinho, palavra por palavra, parágrafo a parágrafo. Pode vomitar a vontade, tudo o que quiser! Ainda não sei como é se que faz isso e é você que vai ter de me ensinar o jeito para que você mesmo possa escrever direto pro blog. Vai ter de me ensinar tudo e com muita paciência, muita calma. Nada de bancar o afobadinho!
Não se esqueça de que não sei lidar com ela, mas sou quem tem a arma na mão. É como se dissessem: “- A grana ou a vida!” e você mais que depressa fosse logo passando a carteira, mas o assaltante exige que tenha calma, vá devagar e carregue o revólver, direcione a mira porque ele não enxerga, não sabe exatamente em que posição e direção você está.
Por mera vaidade você iria se aproveitar pra inverter a situação? Passar pelo vexame de ser o assaltado roubando assaltante cego? Fala sério!
Aqui é a mesma coisa. Cada um cumpre seu papel como em novela de televisão. Meu núcleo é dos blogueiros e o seu é dos blogados. Mas não se preocupe que seu nome vai aparecer em todos os créditos ao final do capítulo. Disso eu mesmo faço questão!
Até porque se der alguma merda, já logo dizendo: “A arma tava na minha mão, mas quem atirou foi a vítima!”
Não se preocupe que vai dar certo. Não viu aquele episódio da polícia de São Paulo que devolveu a refém pro bandido? Então! E eu prometo tudo: Ministério da Segurança Pública, bolsa blog triplicada, quantos professores em sala de aula quiser. O único detalhe é que é você quem vai de ter de ensinar, porque já disse que não sei nadica de nada.
É só você fica no seu papel sem jogar bolinha, porque isso de bolsa blog é na base do voluntariado compulsório.
E pra não tentar nenhuma bobagem, além de toda essa explicação do que tem de fazer, até me dei ao trabalho de inserir nessa primeira edição, de exemplo, um texto que produzi sobre o lançamento da biografia do meu amigo Atahaulpa.
Na hipótese de não conhecer o Athaualpa (também não se pode exigir demais), falei um pouco do Chico Buarque de Holanda. Esse você conhece? 
Tem também uma declaração de amor para uma senhora por quem sempre fui apaixonado: a cidade do Rio de Janeiro. E se ainda não sabe, aprenda: pode mexer com a mulher, mas não se meta com as amantes! Respeito é bom e eu gosto.
Pra você ter uma ideia do que poderá e deverá fazer, já pus aí a participação das primeiras vítimas deste blog: as Irmãs Coragem de Curitiba.
Não conhece as Irmãs Coragem? Pois vai ficar conhecendo. E elas vão conhecer você também, já que a ideia é essa mesma. Aqui somos nós e você. Nós, sou eu mesmo, e você é cada leitor. Você que está lendo e quem ainda não leu, mas vai ler porque você vai mandar que leia. Ninguém está aqui pra ficar perdendo de meu tempo.
Observe na colaboração das Irmãs Coragem que ao enviarem o link da matéria, sequer sabiam que estariam colaborando com blog nenhum. Internet é isso mesmo: caiu na rede é peixe.
E apesar da matéria ser do O Globo, o peixe é grande: Oscar Niemayer.
Pois é camarada... Pra ver que todo mundo tem de se virar! Acabou moleza! Agora até O Globo tem de promover comunista e intelectual de 103 anos de idade virar sambista.  Por isso, mexa essa consciência gorda! Quero ver todo mundo malhando no teclado!
Outra coisa: o blog quem fez foi o Celso Martins, amigo, vizinho e jornalista. Fez de companheiro que é e não posso ficar explorando o rapaz. Então quem vai mudar, dar cara nova, mais personalizada, deixar mais bonito e inventar novidades é você mesmo que não tô aqui pra por azeitona na sua empada.
Não precisa ter pressa! Me escreve, explica direitinho como é que tem de fazer, onde devo clicar, que programa usar. Se eu não tiver, manda o programa também ou diz como consigo. Tudo com muita calma e nada de apavoramento, porque se isso escorrega e escapa um tiro, uma bala perdida, não me responsabilizo.
Por falar em responsabilidade, esse nome que o Celso deu ao blog é muito comprometedor. Como é que me explico, depois?
Então Já tens aí uma tarefa! Arrume outro nome pro blog. Pra não ficar reclamando e dizer que estou sendo muito folgado, dou uma primeira sugestão: NÓS E VOCÊ.
Apesar de que estou no controle da situação, não precisa gostar. É só sugestão. Deixo você decidir e, de preferência, enviar outras sugestões para os outros de vocês decidirem. E sem reclamar  porque esse negócio de decidir não é meu papel.
Eu sou o Nós e não preciso decidir nada! Você é que se vire!
    

O MEU AMIGO ATAHUALPA
e uma pretensa definição de literatura
No mesmo dia em que recebo pelo correio eletrônico a imprecisa definição de que “literatura é a arte de escolher palavras”, de alguém se pretendendo crítico literário para tentar convencer que Chico Buarque de Holanda não é escritor; também recebo pelo postal a biografia do meu amigo Atahualpa.
Não sei se o meu amigo tem alguma descendência peruana, pois, conforme sua biógrafa, impossível determinar-lhe procedências dadas às insólitas e precárias condições de seu início de vida. Pelas bem definidas sobrancelhas, o vasto bigode e olhar profundo, sempre me fez lembrar Nietzsche, mas nem por isso o definiria de procedência germânica. Até porque nenhum alemão ou austríaco batizaria um filho como o nome de Atahualpa.
Para quem não sabe, Atahualpa é nome muito comum em todos os países de língua espanhola da América do Sul. Ou seja: menos o Brasil e as Guianas. Nós, colonizados pelos portugueses e as Guianas por ingleses, franceses e holandeses, naquela que hoje é conhecida por Suriname.
Talvez exista mais alguém com o nome de Atahualpa aqui no Brasil, além do meu amigo. Mas não conheço.
Provindo do quéchua, Ataw Wallpa foi o nome do mais importante entre os últimos imperadores Incas. Foi traído e aprisionado pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro que ardilosamente convidou Atahualpa para um jantar amigável na cidade andina de Cajamarca. Em duas horas os cristãos trucidaram mais de 6 mil incas e Atahualpa foi aprisionado no Templo do Sol.
Em troca de sua liberdade Atahualpa entregou ao espanhol uma enorme quantia em ouro. Tanto, que preencheu o aposento em que era mantido prisioneiro, e ainda deu o dobro daquela quantia em prata. Mas o cristão não manteve a palavra e submeteu Atahualpa à farsa de um julgamento sob 12 acusações pelas quais foi condenado à fogueira.
No momento da execução Atahualpa aceitou o acordo imposto pelo padre Vicente Valverde e permitiu ser batizado como convertido ao deus e à religião católica, para logo em seguida ser executado por estrangulamento.
Isso foi em 26 de julho de 1533, mas não me consta que, apesar do pedido de desculpas aos judeus, algum papa tenha reconhecido os crimes da Igreja contra Incas, Astecas, Tupis, Guaranis ou tantos dos povos dizimados pelo cristianismo.
No entanto, tenho a impressão de que meu amigo Atahualpa está pouco se lixando para os papas. Mais que isso, creio mesmo que apesar da aparência física com o Nietzsche, superou o sábio alemão nesse sentido. Nietzsche costumava declarar que Deus está morto, Atahualpa certamente nunca acreditou na existência desse personagem e tão pouco faz questão de conferir a própria imagem e semelhança a qualquer divindade. Daí me parecer que mesmo que porventura admire a Nietzsche, não procura imitá-lo nem realçar a casual parecença.
Mas voltando ao herói e mártir Atahualpa, tornou-se um arquétipo da resistência sul americana ao colonialismo imposto ao continente ao longo dos últimos 500 anos, justificando os tantos Atahualpas da Patagônia ao Golfo de Urabá, ao norte da Colômbia, onde fazemos divisa com a América Central.
Héctor Roberto Chavero, por exemplo, nascido na província de Buenos Aires em 1908 e falecido em Paris em 1992, adotou como pseudônimo nome e sobrenome de Atahualpa que foi neto de Tupac Yupanqui. Como Atahualpa Yupanqui, Héctor Chavero se fez compositor, cantor, violinista e escritor argentino de renome internacional tal qual o Chico Buarque de Holanda, para desespero do crítico que inadvertidamente me enviaram pela internet.
A mãe de Atahualpa, Tocto Pala, não era inca. Mas por ter sido uma princesa equatoriana, natural de Quito, o nome do herói muito se propagou por aquele país, conforme nos conta o brasileiro Paulo de Carvalho Neto no excelente romance “Meu Tio Atahualpa”, onde reporta com muito humor a sabedoria da cultura popular equatoriana, assimilada quando ali representou o Brasil como diplomata.
Quanto ao Chico Buarque, ouvi dizer que sequer conheceu Budapeste embora um húngaro tenha me garantido que conseguiu reproduzir com muita fidelidade o clima humano da cidade. De fato, pelo menos para quem não conhece aquele trecho do Danúbio nem do lado Buda nem do lado Peste, ou quaisquer das outras margens do famoso rio, descreveu a capital da cultura dos magiares de forma muito convincente.
Mas o crítico não gostou e nem considera literatura. Tudo porque resolveu que Chico escolheu mal as palavras ao afirmar que o personagem do romance tenha assistido “por alto” a um noticiário de TV em idioma desconhecido, conforme explica a história de um fictício escritor que ali aportou por um imprevisto ocorrido durante uma viagem aérea.
Nem mesmo aos nossos noticiários consigo dar atenção, mas o crítico encasquetou que todos têm de levar tão a sério quanto ele as enormes bobagens da TV. Outros, como José Saramago, José Miguel Wisnik, Urariano Mota, Caetano Veloso e Luís Fernando Veríssimo; gostaram muito do Budapeste do Chico. Por certo também não dão muita atenção a TV ou não acreditam que produzir literatura seja apenas escolher palavras.
Seja lá o que for eu é que não seria besta de me pressupor capaz de criar definições para uma arte milenar que compreende tantos gêneros e expressões, inclusive sem palavra alguma como em histórias contadas por gestos, imagens e até por sombras, com conteúdo evidentemente literário.
Por outro lado, muito me orgulho em poder estrear este blog escrevendo sobre a biografia do meu amigo que acaba de ser lançada. Aliás, convém lembrar que Atahualpa também é um grande contador de histórias e a ele não fazem falta as palavras. Na última vez que esteve em minha casa, contou uma história tão intensa e emotiva à minha cachorra Canela que a fez correr pela casa pulando de sofá em sofá, como se estivesse conquistando uma selva.
Duvido que o crítico do Chico produza o mesmo efeito! E a julgar pelos caninos da Canela, seu poder de crítica é bem menos inócuo.
Mas é preciso falar do livro com capa ilustrada por um expressivo close fotográfico do biografado imitando Einstein ao mostrar a língua. Na verdade, ainda não li a obra, mas assim mesmo posso recomendá-la com total segurança e não apenas pela intrigante personalidade do personagem meu amigo como, sobretudo, pela certeza de que a autora não é apenas uma mera escolhedora de palavras, como quem cata arroz carunchado. Nas livrarias ou no portal da Livrarias Curitiba na internet (http://www.livrariascuritiba.com.br/)  consultem sobre o último lançamento de Urda Alice Klueger pela Editora Hemisfério Sul.
Em sua vaidade, Atahualpa não se deixaria contar por ninguém menos e isso também provocou o ciúme de Sandra Tolfo, que confessa: “Eu poderia escrever muita coisa sobre o Atahualpa. Poderia contar de nossas brincadeiras, de quando o ensinei a falar, das poses para as fotos, dos meus lanches divididos com ele, mas... essas memórias tomariam muito espaço”.
É certo que, igualmente, se denota aqui uma ponta de inveja, mas muito compreensível pela intimidade e o carinho da cientista social pelo Atahualpa. Aceitável, pois não se evidencia nenhum despeito, nenhuma dor de cotovelo.
Mas o que dizer do ridículo catador de palavras? Só mesmo escolhendo as do velho lugar comum, pois, enquanto os cães ladram, Atahualpa e Chico Buarque passam.

Às vésperas de seus 103 anos, Oscar Niemeyer se lança como compositor e faz música com Edu Krieger
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/12/03/as-vesperas-de-seus-103-anos-oscar-niemeyer-se-lanca-como-compositor-faz-musica-com-edu-krieger-923177706.asp
enviado por: Izabel Aparecida Fernandes (do grupo Irmãs Coragem)



MEU SONHO CARIOCA
Amo o Rio
da rua,
da lua,
da morena,
loira, mulata
quase nua.
Da pelada
na praia,
e o grito que
lambe vontades:
“- Olha o picolé!”
Língua gelada
sorvendo imaginações
na espuma do chope
no bar da calçada...
Amo o Rio
nas curvas
das pedras nas calçadas
jogadas
em sinuosas
conversas
de azar e sorte.
Amo o Rio
de sul a norte,
por todas as zonas:
das cálidas à erógenas.
O Rio
do bicho de
cada sonho
de Janeiro,
no verão de
um ano inteiro.
Amo o Rio
das luzes de todas as noites,
e das liberalidades nos escurinhos.
Amo o Rio
mesmo sozinho,
mas mais saudade
tenho de liberalidades
de bronzeadas vaidades.

Entre Corcovado
e Pão de Açucar,
amo o Rio da Gávea à Urca.
Rio do ardente
Flamengo.
Ipanema nem se
fala!
Meier, Cadete.
Escadaria da Penha
e Pça Saenz Pena.
Amo qualquer Rio.
No Leblon
era muito bom,
mas Copacabana,
mentindo recato,
foi a mais sacana!
Amo o Rio
livre
e moleque
na saída da escola,
puxando trancinha
de Marianinha.
Rio menino
querendo atenção
no que mente o coração.
Rio que sobe
e desce
no limite da realidade,
onde a fantasia se estabelece
desenhando avenidas.
Rio de tantas vidas.
E antes que em tudo
se Botafogo,
me despacho aos Engenhos da Rainha,
e me dou à Leopoldina
até que um Cascadura
arrota a Madureira.
Escapo pra
Lapa pagando penitência
no regaço de Sta. Tereza.
Abençoado pecado!
Ah! Meu Rio de tantas certezas
por onde me enganei!
O Rio que eu sei.
Amo o Rio
incerto,
insólito,
onde a vida
é uma alegoria
a desfilar destaques
de uma noite
que não se fez,
num dia que não vem.
Meu Rio que vai
samba e volta harmonia
desce bossa e sobe alegria.
Amo o Rio
que chora
no olho da morena
esperando de março
à fevereiro
por um onipresente
Janeiro
de mornas vontades.
Meu Rio de tantas saudades.
Aquele Rio de todas
as anedotas,
de tantas lorotas.
Rio experto.
Rio otário.
Quem saberá
onde mora a verdade
em tal sonho
de cidade?
Amo o Rio
do asfalto
e do alto,
desenhando anoitecer
quando acabo de acordar
Inventando desanoitecer
na hora de deitar.

Rio fora do fuso horário
que me perde em passos bêbados e trôpego
que me encontra entre praias e aterros.
Túneis e escadarias.
Descaminhos
de intransponíveis lençóis
de Negras escorregadias
gotejando pelas siluetas
dos morros.
Loiras ou morenas defenestradas
- ao alto -
de janelas acenam adeuses
até descobrir-me o anjo torto,
roto e caído.
Lançado ao acaso
da madrugada
que no próximo bar
poderá ser o descanso
na cadeira mulata.
Ou pode ser o nada
do Rio de minha solidão.
O Rio da mágoa
nas tranças de Marianinha.
O Rio no sorriso
maroto
de Marianinha.
Amo todos os Rios!
De Janeiro a janeiro,
de Sul à Norte. 
Amo o Rio
onde madrugada
estala sem bala
e sem medo.
Perdida só a dor
da negra que me ignora
e, degrau a degrau,
pisa em minha ilusão.
Amo o Rio
da escada
de onde diviso
- lá! -
a benção e o abraço
ao encanto Guanabara!
Meu engano Guanabara.
Amo esse Rio
que me comove
a tanto de não
definir
- no sonho -
o bicho que vai dar,
o bicho que vai pegar.
Amo o Rio
do bicho que não deu.
O Rio
de todos os níveis
de meus sonhos
indefiníveis.
Parem com esse
pesadelo!
Preciso saber
em que bicho
jogar.
Parem  com esse
pesadelo!
No abraço do Cristo,
entre o Pão de Açúcar
e o Corcovado,
preciso
delineado o sorriso
entre tranças carapinhas
da menina Marianinha.
Parem com esse
pesadelo
para meu sonho
voar feito pipa,
gaivota
desenhando a paz
do riso da criança
e na esperança
do aposentado.
Parem com esse
azar!
 só você fica no seu papel sem jogar bolinha, porque isso de bolsa blog é na base do voluntariado compulsório.
E pra não tentar nenhuma bobagem, além de toda essa explicação do que tem de fazer, até me dei ao trabalho de inserir nessa primeira edição, de exemplo, um texto que produzi sobre o lançamento da biografia do meu amigo Atahaulpa.
Na hipótese de não conhecer o Athaualpa (também não se pode exigir demais), falei um pouco do Chico Buarque de Holanda. Esse você conhece? 
Tem também uma declaração de amor para uma senhora por quem sempre fui apaixonado: a cidade do Rio de Janeiro. E se ainda não sabe, aprenda: pode mexer com a mulher, mas não se meta com as amantes! Respeito é bom e eu gosto.
Pra você ter uma ideia do que poderá e deverá fazer, já pus aí a participação das primeiras vítimas deste blog: as Irmãs Coragem de Curitiba.
Não conhece as Irmãs Coragem? Pois vai ficar conhecendo. E elas vão conhecer você também, já que a ideia é essa mesma. Aqui somos nós e você. Nós, sou eu mesmo, e você é cada leitor. Você que está lendo e quem ainda não leu, mas vai ler porque você vai mandar que leia. Ninguém está aqui pra ficar perdendo de meu tempo.
Observe na colaboração das Irmãs Coragem que ao enviarem o link da matéria, sequer sabiam que estariam colaborando com blog nenhum. Internet é isso mesmo: caiu na rede é peixe.
E apesar da matéria ser do O Globo, o peixe é grande: Oscar Niemayer.
Pois é camarada... Pra ver que todo mundo tem de se virar! Acabou moleza! Agora até O Globo tem de promover comunista e intelectual de 103 anos de idade virar sambista.  Por isso, mexa essa consciência gorda! Quero ver todo mundo malhando no teclado!
Outra coisa: o blog quem fez foi o Celso Martins, amigo, vizinho e jornalista. Fez de companheiro que é e não posso ficar explorando o rapaz. Então quem vai mudar, dar cara nova, mais personalizada, deixar mais bonito e inventar novidades é você mesmo que não tô aqui pra por azeitona na sua empada.
Não precisa ter pressa! Me escreve, explica direitinho como é que tem de fazer, onde devo clicar, que programa usar. Se eu não tiver, manda o programa também ou diz como consigo. Tudo com muita calma e nada de apavoramento, porque se isso escorrega e escapa um tiro, uma bala perdida, não me responsabilizo.
Por falar em responsabilidade, esse nome que o Celso deu ao blog é muito comprometedor. Como é que me explico, depois?
Então Já tens aí uma tarefa! Arrume outro nome pro blog. Pra não ficar reclamando e dizer que estou sendo muito folgado, dou uma primeira sugestão: NÓS E VOCÊ.
Apesar de que estou no controle da situação, não precisa gostar. É só sugestão. Deixo você decidir e, de preferência, enviar outras sugestões para os outros de vocês decidirem. E sem reclamar  porque esse negócio de decidir não é meu papel.
Eu sou o Nós e não preciso decidir nada! Você é que se vire!
    

O MEU AMIGO ATAHUALPA
e uma pretensa definição de literatura
No mesmo dia em que recebo pelo correio eletrônico a imprecisa definição de que “literatura é a arte de escolher palavras”, de alguém se pretendendo crítico literário para tentar convencer que Chico Buarque de Holanda não é escritor; também recebo pelo postal a biografia do meu amigo Atahualpa.
Não sei se o meu amigo tem alguma descendência peruana, pois, conforme sua biógrafa, impossível determinar-lhe procedências dadas às insólitas e precárias condições de seu início de vida. Pelas bem definidas sobrancelhas, o vasto bigode e olhar profundo, sempre me fez lembrar Nietzsche, mas nem por isso o definiria de procedência germânica. Até porque nenhum alemão ou austríaco batizaria um filho como o nome de Atahualpa.
Para quem não sabe, Atahualpa é nome muito comum em todos os países de língua espanhola da América do Sul. Ou seja: menos o Brasil e as Guianas. Nós, colonizados pelos portugueses e as Guianas por ingleses, franceses e holandeses, naquela que hoje é conhecida por Suriname.
Talvez exista mais alguém com o nome de Atahualpa aqui no Brasil, além do meu amigo. Mas não conheço.
Provindo do quéchua, Ataw Wallpa foi o nome do mais importante entre os últimos imperadores Incas. Foi traído e aprisionado pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro que ardilosamente convidou Atahualpa para um jantar amigável na cidade andina de Cajamarca. Em duas horas os cristãos trucidaram mais de 6 mil incas e Atahualpa foi aprisionado no Templo do Sol.
Em troca de sua liberdade Atahualpa entregou ao espanhol uma enorme quantia em ouro. Tanto, que preencheu o aposento em que era mantido prisioneiro, e ainda deu o dobro daquela quantia em prata. Mas o cristão não manteve a palavra e submeteu Atahualpa à farsa de um julgamento sob 12 acusações pelas quais foi condenado à fogueira.
No momento da execução Atahualpa aceitou o acordo imposto pelo padre Vicente Valverde e permitiu ser batizado como convertido ao deus e à religião católica, para logo em seguida ser executado por estrangulamento.
Isso foi em 26 de julho de 1533, mas não me consta que, apesar do pedido de desculpas aos judeus, algum papa tenha reconhecido os crimes da Igreja contra Incas, Astecas, Tupis, Guaranis ou tantos dos povos dizimados pelo cristianismo.
No entanto, tenho a impressão de que meu amigo Atahualpa está pouco se lixando para os papas. Mais que isso, creio mesmo que apesar da aparência física com o Nietzsche, superou o sábio alemão nesse sentido. Nietzsche costumava declarar que Deus está morto, Atahualpa certamente nunca acreditou na existência desse personagem e tão pouco faz questão de conferir a própria imagem e semelhança a qualquer divindade. Daí me parecer que mesmo que porventura admire a Nietzsche, não procura imitá-lo nem realçar a casual parecença.
Mas voltando ao herói e mártir Atahualpa, tornou-se um arquétipo da resistência sul americana ao colonialismo imposto ao continente ao longo dos últimos 500 anos, justificando os tantos Atahualpas da Patagônia ao Golfo de Urabá, ao norte da Colômbia, onde fazemos divisa com a América Central.
Héctor Roberto Chavero, por exemplo, nascido na província de Buenos Aires em 1908 e falecido em Paris em 1992, adotou como pseudônimo nome e sobrenome de Atahualpa que foi neto de Tupac Yupanqui. Como Atahualpa Yupanqui, Héctor Chavero se fez compositor, cantor, violinista e escritor argentino de renome internacional tal qual o Chico Buarque de Holanda, para desespero do crítico que inadvertidamente me enviaram pela internet.
A mãe de Atahualpa, Tocto Pala, não era inca. Mas por ter sido uma princesa equatoriana, natural de Quito, o nome do herói muito se propagou por aquele país, conforme nos conta o brasileiro Paulo de Carvalho Neto no excelente romance “Meu Tio Atahualpa”, onde reporta com muito humor a sabedoria da cultura popular equatoriana, assimilada quando ali representou o Brasil como diplomata.
Quanto ao Chico Buarque, ouvi dizer que sequer conheceu Budapeste embora um húngaro tenha me garantido que conseguiu reproduzir com muita fidelidade o clima humano da cidade. De fato, pelo menos para quem não conhece aquele trecho do Danúbio nem do lado Buda nem do lado Peste, ou quaisquer das outras margens do famoso rio, descreveu a capital da cultura dos magiares de forma muito convincente.
Mas o crítico não gostou e nem considera literatura. Tudo porque resolveu que Chico escolheu mal as palavras ao afirmar que o personagem do romance tenha assistido “por alto” a um noticiário de TV em idioma desconhecido, conforme explica a história de um fictício escritor que ali aportou por um imprevisto ocorrido durante uma viagem aérea.
Nem mesmo aos nossos noticiários consigo dar atenção, mas o crítico encasquetou que todos têm de levar tão a sério quanto ele as enormes bobagens da TV. Outros, como José Saramago, José Miguel Wisnik, Urariano Mota, Caetano Veloso e Luís Fernando Veríssimo; gostaram muito do Budapeste do Chico. Por certo também não dão muita atenção a TV ou não acreditam que produzir literatura seja apenas escolher palavras.
Seja lá o que for eu é que não seria besta de me pressupor capaz de criar definições para uma arte milenar que compreende tantos gêneros e expressões, inclusive sem palavra alguma como em histórias contadas por gestos, imagens e até por sombras, com conteúdo evidentemente literário.
Por outro lado, muito me orgulho em poder estrear este blog escrevendo sobre a biografia do meu amigo que acaba de ser lançada. Aliás, convém lembrar que Atahualpa também é um grande contador de histórias e a ele não fazem falta as palavras. Na última vez que esteve em minha casa, contou uma história tão intensa e emotiva à minha cachorra Canela que a fez correr pela casa pulando de sofá em sofá, como se estivesse conquistando uma selva.
Duvido que o crítico do Chico produza o mesmo efeito! E a julgar pelos caninos da Canela, seu poder de crítica é bem menos inócuo.
Mas é preciso falar do livro com capa ilustrada por um expressivo close fotográfico do biografado imitando Einstein ao mostrar a língua. Na verdade, ainda não li a obra, mas assim mesmo posso recomendá-la com total segurança e não apenas pela intrigante personalidade do personagem meu amigo como, sobretudo, pela certeza de que a autora não é apenas uma mera escolhedora de palavras, como quem cata arroz carunchado. Nas livrarias ou no portal da Livrarias Curitiba na internet (http://www.livrariascuritiba.com.br/)  consultem sobre o último lançamento de Urda Alice Klueger pela Editora Hemisfério Sul.
Em sua vaidade, Atahualpa não se deixaria contar por ninguém menos e isso também provocou o ciúme de Sandra Tolfo, que confessa: “Eu poderia escrever muita coisa sobre o Atahualpa. Poderia contar de nossas brincadeiras, de quando o ensinei a falar, das poses para as fotos, dos meus lanches divididos com ele, mas... essas memórias tomariam muito espaço”.
É certo que, igualmente, se denota aqui uma ponta de inveja, mas muito compreensível pela intimidade e o carinho da cientista social pelo Atahualpa. Aceitável, pois não se evidencia nenhum despeito, nenhuma dor de cotovelo.
Mas o que dizer do ridículo catador de palavras? Só mesmo escolhendo as do velho lugar comum, pois, enquanto os cães ladram, Atahualpa e Chico Buarque passam.

Às vésperas de seus 103 anos, Oscar Niemeyer se lança como compositor e faz música com Edu Krieger
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/12/03/as-vesperas-de-seus-103-anos-oscar-niemeyer-se-lanca-como-compositor-faz-musica-com-edu-krieger-923177706.asp
enviado por: Izabel Aparecida Fernandes (do grupo Irmãs Coragem)



MEU SONHO CARIOCA
Amo o Rio
da rua,
da lua,
da morena,
loira, mulata
quase nua.
Da pelada
na praia,
e o grito que
lambe vontades:
“- Olha o picolé!”
Língua gelada
sorvendo imaginações
na espuma do chope
no bar da calçada...
Amo o Rio
nas curvas
das pedras nas calçadas
jogadas
em sinuosas
conversas
de azar e sorte.
Amo o Rio
de sul a norte,
por todas as zonas:
das cálidas à erógenas.
O Rio
do bicho de
cada sonho
de Janeiro,
no verão de
um ano inteiro.
Amo o Rio
das luzes de todas as noites,
e das liberalidades nos escurinhos.
Amo o Rio
mesmo sozinho,
mas mais saudade
tenho de liberalidades
de bronzeadas vaidades.

Entre Corcovado
e Pão de Açucar,
amo o Rio da Gávea à Urca.
Rio do ardente
Flamengo.
Ipanema nem se
fala!
Meier, Cadete.
Escadaria da Penha
e Pça Saenz Pena.
Amo qualquer Rio.
No Leblon
era muito bom,
mas Copacabana,
mentindo recato,
foi a mais sacana!
Amo o Rio
livre
e moleque
na saída da escola,
puxando trancinha
de Marianinha.
Rio menino
querendo atenção
no que mente o coração.
Rio que sobe
e desce
no limite da realidade,
onde a fantasia se estabelece
desenhando avenidas.
Rio de tantas vidas.
E antes que em tudo
se Botafogo,
me despacho aos Engenhos da Rainha,
e me dou à Leopoldina
até que um Cascadura
arrota a Madureira.
Escapo pra
Lapa pagando penitência
no regaço de Sta. Tereza.
Abençoado pecado!
Ah! Meu Rio de tantas certezas
por onde me enganei!
O Rio que eu sei.
Amo o Rio
incerto,
insólito,
onde a vida
é uma alegoria
a desfilar destaques
de uma noite
que não se fez,
num dia que não vem.
Meu Rio que vai
samba e volta harmonia
desce bossa e sobe alegria.
Amo o Rio
que chora
no olho da morena
esperando de março
à fevereiro
por um onipresente
Janeiro
de mornas vontades.
Meu Rio de tantas saudades.
Aquele Rio de todas
as anedotas,
de tantas lorotas.
Rio experto.
Rio otário.
Quem saberá
onde mora a verdade
em tal sonho
de cidade?
Amo o Rio
do asfalto
e do alto,
desenhando anoitecer
quando acabo de acordar
Inventando desanoitecer
na hora de deitar.

Rio fora do fuso horário
que me perde em passos bêbados e trôpego
que me encontra entre praias e aterros.
Túneis e escadarias.
Descaminhos
de intransponíveis lençóis
de Negras escorregadias
gotejando pelas siluetas
dos morros.
Loiras ou morenas defenestradas
- ao alto -
de janelas acenam adeuses
até descobrir-me o anjo torto,
roto e caído.
Lançado ao acaso
da madrugada
que no próximo bar
poderá ser o descanso
na cadeira mulata.
Ou pode ser o nada
do Rio de minha solidão.
O Rio da mágoa
nas tranças de Marianinha.
O Rio no sorriso
maroto
de Marianinha.
Amo todos os Rios!
De Janeiro a janeiro,
de Sul à Norte. 
Amo o Rio
onde madrugada
estala sem bala
e sem medo.
Perdida só a dor
da negra que me ignora
e, degrau a degrau,
pisa em minha ilusão.
Amo o Rio
da escada
de onde diviso
- lá! -
a benção e o abraço
ao encanto Guanabara!
Meu engano Guanabara.
Amo esse Rio
que me comove
a tanto de não
definir
- no sonho -
o bicho que vai dar,
o bicho que vai pegar.
Amo o Rio
do bicho que não deu.
O Rio
de todos os níveis
de meus sonhos
indefiníveis.
Parem com esse
pesadelo!
Preciso saber
em que bicho
jogar.
Parem  com esse
pesadelo!
No abraço do Cristo,
entre o Pão de Açúcar
e o Corcovado,
preciso
delineado o sorriso
entre tranças carapinhas
da menina Marianinha.
Parem com esse
pesadelo
para meu sonho
voar feito pipa,
gaivota
desenhando a paz
do riso da criança
e na esperança
do aposentado.
Parem com esse
azar!
Quero sonhar
meu Rio de Janeiro.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

SENSO X CONTRASSENSO

MAIS UMA VITÓRIA
DE FLORIANÓPOLIS

Por Raul Longo

Viver em Florianópolis é conviver num constante embate entre senso e contrassenso. Mal se descansa de uma luta para evitar um absurdo a ser cometido pelas autoridades contra o bem estar comum e já se vê em novas reuniões, discussões, manifestações.

Assim foi nos tempos da ditadura, quando a Marinha resolveu privatizar a Ponta do Sambaqui, uma área pública constituída por um bosque de pitangueiras onde famílias vindas de outros bairros se reúnem nos domingos de verão, aproveitando à sombra das árvores à beira do mar.

Além desta função que a identifica como patrimônio público, a Ponta do Sambaqui é um sítio arqueológico. Não pesquisado, mas é. Geologicamente também chamada de berbigueira, caieira, caleira, mina de sernambi, ostreira, samauqui, sarnambi; sambaqui é um depósito de origem natural que através dos tempos vai constituindo terraços sobrepostos e soterrados de diversos agentes geológicos, sobretudo cascas de moluscos, conchas.

Deduzem alguns paleontólogos que em busca da eternidade os pré-históricos que ocuparam a América do Sul desenvolveram um processo rudimentar de mumificação, enterrando seus mortos nesses sítios onde a grande presença do cálcio das conchas dos moluscos impediria a corrosão dos esqueletos. Outros não são tão confiantes nessa observação e consideram mais provável uma mera coincidência em consequência desses sítios que se espalham por toda a costa atlântica e à beira de rios, terem sido os mais propícios para a subsistência coletora daqueles primórdios da humanidade. Vivendo onde pudessem satisfazer a dieta de moluscos catados, ali também enterravam seus mortos.

De qualquer forma, como em todos os cultos funerários das mais antigas culturas, junto aos mortos sepultavam seus pertences: ferramentas, utensílios e objetos de pedra, e até alguns objetos cerâmicos.

Em diversos estados brasileiros há sambaquis pesquisados por arqueólogos. No Maranhão há um muito importante e mesmo nas propriedades particulares se é obrigado a ceder o acesso à pesquisa desenvolvida por instituições universitárias, como a da USP que anualmente desloca uma equipe de professores e alunos para a Ilha do Mar Virado, no litoral norte do estado de São Paulo, em Ubatuba, uma concessão da Marinha ao empresário da Tigre, a indústria de tubos e conexões.

Ali no Mar Virado a condição para a manutenção da concessão da ilha não só é a hospedagem da equipe de arqueólogos, como inclusive a responsabilidade pelo impedimento de qualquer outro acesso ao local demarcado de pesquisa, inclusive aos ocupantes da ilha. Mas em Florianópolis a Marinha resolveu ceder a península que forma a Ponta do Sambaqui para o capital privado empreender ali um hotel. Evidente desastre que poluiria e destruiria um dos mais paradisíacos recantos da Ilha de Santa Catarina, sobretudo pela falta de sistema de coleta de esgoto que inevitavelmente seria despejado ao mar, pois trata-se de uma península com uma entrada que não tem 20 metros de largura.

Para que as autoridades da época pudessem enxergar o óbvio, foi preciso muita briga e muita luta da comunidade do Sambaqui, o que gerou a criação da primeira Associação de Moradores do Município de Florianópolis.

Nessa luta se formou uma das comunidades mais guerreiras da cidade.

Mas a população de Florianópolis protagonizou muitos momentos de grande bravura popular, como em Novembro de 1979 quando estudantes e trabalhadores cercaram a comitiva do então ditador João Baptista Figueiredo acompanhado pelo interventor Jorge Bornhausen. Quase todos da comitiva ditatorial iam apanhando da multidão e só foram salvos pela intervenção da Polícia Militar com ajuda da Polícia do Exército.

Ainda hoje relembrado com muito orgulho pelos catarinenses como a Novembrada, o episódio deu início a queda da ditadura que culminou com o Movimento das Diretas já iniciado por Lula da Silva em Diadema e logo desenvolvido por Teotônio Vilela nas Alagoas. Mas ainda sem o nome de Diretas Já, foi o movimento da população de Florianópolis que deixou claro aos militares que o contrassenso da ditadura já estava com os dias contados.

O próprio nome da cidade resulta de um contrassenso e de um embate desses. Além de massacrar os líderes revoltosos aprisionados na fortaleza da ilhota de Anhatomirim, se impôs à antiga Desterro uma eterna homenagem a Floriano Peixoto, o tirano milicanalha contra o qual aqui se revoltava.

E se perpetua o estigma. Se mensura o tempo pelas lutas e mobilizações populares para manutenção de algum senso de lógica. É comum se ouvir as pessoas comentarem terem se conhecido em uma ou outra dessas lutas em que se envolvem os cidadãos para conter os desmandos dos políticos.

Por vezes se fica em dúvida se uma amizade surgiu na briga contra o prefeito quando quis elevar a cota de andares permitidos às construções de edifícios, ou na outra para impedir que a companhia de saneamento do estado desviasse a verba do PAC, economizando no destino do sistema de esgoto implantado para despejá-lo no rio mais próximo.

Nesse último caso, um exemplo típico foi o de quando o diretor da estatal afrontou a comunidade afirmando que o esgoto seria jogado no rio “Nem que for na marra”. Convocou-se ministros e técnicos de Brasília e hoje há uma comissão formada para buscar a decisão mais acertada, mas a rede de esgoto, já implantada, não promoverá o contrassenso de poluir a desembocadura do maior rio da Ilha de Santa Catarina, nem mesmo na marra, porque aqui só quem faz marra é a multidão.

Costumo dizer que em muitos aspectos essa Ilha é um continente. Mas em outros parece um hospício onde os doentes tomaram a direção e a população constantemente tem de adverti-los para não porem fogo e destruírem tudo. E se esses alienados que detêm o poder contam com o incondicional apoio da mídia local monopolizada pelo grupo RBS, por outro lado os sadios têm contado com significativo apoio dos Ministérios Públicos. Tanto o Estadual quanto o Federal.

Mas para ter ideia do que é o poder que controla este estado, basta lembrar que é o único do país onde ainda hoje não se respeita a determinação constitucional e não se criou uma Defensoria Pública. De todo o Brasil, apenas Santa Catarina!

Tais fatos provocados pelo controle político da eminência parda de Jorge Bornhausen, muitas vezes nos faz sentir mantidos nos anos de chumbo do século passado. Apesar de ser um dos estados mais ricos do país e se localizar na tão decantada região sul, em termos democráticos Santa Catarina é um dos estados mais atrasados do Brasil.

Talvez por esta razão o empresário Eike Batista se imbuiu de tanta certeza em emplacar suas pretensões de obter financiamento para instalação de um estaleiro, com objetivos paralelos ainda não revelados, mas que se evidenciam no comunicado da desistência da implantação do megaestaleiro no canal da Ilha, ao afirmar que: “O Grupo EBX estuda o desenvolvimento de outros empreendimentos para a propriedade em Biguaçu, reafirmando assim o seu compromisso com o Estado e a população de Santa Catarina.”

Blablablá à parte, o que não se ignora é que há muito tempo Eike Batista adquiriu a área onde pretendia instalar o maior estaleiro latino-americano. Muito antes da descoberta do Pré Sal. E também se sabe que a área total corresponde ao dobro de seu megaprojeto de estaleiro. Afora isso, também não é segredo que o empresário tinha e continua tendo outras opções no estado que não provocariam o mesmo caos social e ambiental a ser provocado pela localização em Biguaçu, além do considerável menor custo de instalação com imediata viabilidade.

Mister X revelou seu truque para uma plateia que estará muito atenta à natureza dos outros empreendimentos para a propriedade em Biguaçu. Se não forem tão nocivos e impactantes às águas da baía que conforma o canal entre a Ilha e o continente, não haverá indisposição em assistir as mágicas do bilionário. Do contrário, já sabe que não adianta contratar ajudantes para distrair a atenção do público na tentativa de fazer desaparecer as comunidades e atividades tradicionais desta população.

Desta vez, além dos Promotores dos Ministérios Públicos, tanto do Estadual quanto do Federal, sempre pautando pelo bom senso e junto com a população no combate ao contrassenso, temos muito a agradecer aos técnicos do  ICMBio.

Lamentamos, e muito, o contrassenso dos políticos. Não de todos, pois estamos acostumados à maioria deles e não era de esperar qualquer postura de real defesa dos interesses do povo de Santa Catarina; mas o contrassenso daqueles de quem mais esperávamos a defesa dos interesses das classes populares de trabalhadores desta região: pescadores e maricultores; foi bastante decepcionante.

Esperamos que ao menos reconheçam ter provocado e promovido inúmeros outros contrassensos, como os daqueles que já adiantavam culpabilidades ao governo federal com afirmações estapafúrdias e sem qualquer embasamento ou fundamentação, como a de que Lula seria sócio do Eike Batista ou de que Lula e Dilma busquem desenvolvimento a qualquer custo.

Aos que usavam dessas acusações vazias para brigar contra o empreendimento, desejamos que em próximas lutas sejam capazes de reconhecer quanto tais posturas são improdutivas, quando não, contraproducentes.

Se a esses faltou perspectiva, também é preciso reconhecer que foram enganados pelos primeiros, os que, sendo de Santa Catarina e próximos ao governo através do PT, anunciaram que a Ministra do Meio Ambiente haveria desconsiderado o parecer técnico, transformando a questão em decisão política.

E aí também me enganaram e também minhas perspectivas sobre o caso se distorceram, chegando a escrever desaforos à Ministra. Agradeço às técnicas do ICMBio cujos nomes me comprometi não revelar, que me alertaram sobre essa falácia. Mas se a realidade resgata a imagem da Ministra, à quem me desculpo, ainda mais chafurda a dos que mentiram sobre a real posição de Izabella Teixeira, injustificadamente comprometendo-a perante a opinião pública.

Mas há um político que merece um desagravo pela repreensão à sua nota pública de discordância ao estaleiro. O presidente de seu partido no estado reclamou por Nildomar Freire não ter consultado o diretório estadual. Nildão fez é muito bem em consultar as bases e os trabalhadores, pois o seu partido não é o PD, o Partido dos Diretórios. Seu partido é o PT, o Partido dos Trabalhadores. Quem não consultou os trabalhadores que o fizesse. Ou que procure aos partidos que representam outras classes de interesses.

E do PT agradeço a todos os blogs que publicando os textos sobre o estaleiro, ajudaram a levar a todo o Brasil as informações sobre esse contrassenso. Todos os blogs e listas de apoiadores do governo Lula e da presidente Dilma, sobretudo ao Beatrice do Maranhão, à redecastorphoto de São Paulo, a Tribuna da Internet e ao “Quem Tem Medo do Lula” do Rio de Janeiro que muito torceram, apoiaram e divulgaram a luta catarinense. A minha amiga Lila de Brasília (não posso dizer exatamente da onde, mas é você mesma Lila Verão!) E ao Marcos Lula por indicar meu textos sobre o tema do estaleiro ao portal Dilma na Rede.

A força tarefa suprapartidária em prol de Eike Batista precisou invadir o gabinete da Ministra Izabella para tentar transformar o processo em questão política, e vocês nos ajudaram a lutar politicamente para manter a decisão técnica do órgão federal de regulação ambiental.

E agradeço também as palavras de incentivo de correspondentes do PSOL e do PV. Inclusive a da correspondente do DEM ou PSDB que nesta questão em particular encontrou um ponto de concordância comigo, sem cair no contrassenso dos que tentaram me convencer que a ameaça do estaleiro seria consequência de um governo inconsequente ou irresponsável.

Mas apesar desse contrassenso, a esses também se deve valorizar a participação na luta. Talvez doravante consigam entender com maior clareza o processo e aprendam onde encontrar aliados com bom senso, raciocinando acima dos conceitos montados ou fabricados.

E por falar nos pré conceitos, há que se agradecer e aplaudir a comunidade do Jurerê Internacional que enfrentou inclusive seus antigos aliados da RBS e do Diário Catarinense com muita galhardia, arrostando-lhes a evidência da canalhice.

Haverá despeitados que dirão que só vencemos o bilionário Eike Batista porque vocês também são ricos, mas sabemos bem que isso é falácia e os admiramos por irem às ruas como multidão e como multidão carregar faixas e vaiar a Polícia Naval quando prenderam nossos maiores heróis nessa luta. Uma luta que começou aí do vosso lado, através da comunidade da Daniela.

E é preciso lembrar que foi a comunidade da Daniela que iniciou essa luta contra Eike Batista. Dos de Santa Catarina citei apenas o nome do Nildão, porque foi individual e politicamente prejudicado no apoio que nos deu, mas citarei o de mais ninguém para não ser injusto com tantos, no entanto não posso de deixar de lembrar aqui um caso exemplar da força e coragem de nossas mulheres, através de um breve diálogo de uma companheira da Daniela com Paulo Monteiro, o diretor da OSX que tentando uma espécie de sorriso rugiu: “Você é uma pedra no meu sapato”. Sem corresponder ao esgar, ela decepou: “Então vais ter de amputar o pé!”

Da comunidade do Sambaqui e Sto. Antonio de Lisboa nem preciso dizer nada. Nosso Boi, nossa Bernunça e o Baiacú de Alguém dispensam palavras. Mas quero agradecer o apoio e as informações do Sambaqui na Rede, a divulgação do Fala Sambaqui, e o Estala Estaleiro do Portal Desacato.

Hoje ganhamos uma guerra em que muitos já nos acreditavam vencidos desde no início, embora nunca duvidássemos de nosso bom senso em lutá-la. Nunca duvidamos de que a multidão derrotaria o bilhão. Nunca duvidamos de que não há exército maior e mais poderoso do que o da multidão. Nem aqui e nem em Honduras!

É verdade que as amigas do ICMBio me tranquilizaram bastante já naquela audiência pública em que tentaram nos coibir e constringir, mas o dinheiro e as forças políticas bem poderiam ter pervertido o essencial sentido técnico da decisão, para a qual esta nota da OSX, abaixo, se faz tentativa de saída menos constrangedora.

Talvez conseguissem reverter, mesmo a contragosto da Ministra, e obrigar o governo a aceitar pressões dos políticos catarinenses, com opinião pública manipulada pela RBS. Daí a grande importância de nossa luta que inviabilizou as tentativas e manobras nesse sentido, como quando conquistamos os passageiros da dezena de enormes ônibus de auto luxo para colher a gente pobre da periferia de Biguaçu que deveria fazer claque à OSX na audiência em que nos coagiam com teleobjetivas, tentando nos amedrontar com outra dezena de guarda-costas; mas ao final a claque da OSX aplaudiam nossas falas.

E nessa luta, tivemos um herói muito simbólico. Se há um momento em que pudemos ter certeza de que a partir daquele momento ganháramos a luta, foi quando a Polícia Naval conduziu nosso Pescador para a Capitania dos Portos.

A luta foi grande e vencemos o homem mais rico do país. Isso tem de ficar nos anais da história dessa região e desta cidade. Isso merece um marco, uma comemoração para que as futuras gerações jamais esqueçam do poder da multidão. E sugiro que ali, onde a Polícia Naval nos devolveu nosso herói, a ele seja erigido um marco. E que nele se inscreva: “Aqui, em tal data, um manézinho pescador desta baía fez o homem mais rico do Brasil tomar senso e ir embora desse canal!”

E quando outro voltar com novos contrassensos, a gente leva ate ali e mostra para ver se adquire um pouco de senso e não nos dá tanto trabalho.

Até a próxima luta, torcendo para que algum dia tenhamos melhores políticos para eleger no estado.   

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Postagem inicial


Manifesto InterUniversitário Estaleiro-Fosfateira

S.O.S. STA CATARINA!



Baía Norte de Florianópolis. Foto: Celso Martins

RAUL LONGO

Cientistas e acadêmicos de Sta. Catarina evocam a Constituição Brasileira em pedido de socorro ao estado ameaçado pelo planejamento neo-liberal do governo que ora se finda, mas será substituído por seu correligionário do DEM com a indefectível aliança tucana, sem por isso desmerecer o franco apoio do PT local.

Um desastre de enormes proporções que pode já ter sido evitado ou liberado na última sexta-feira, mas somente será anunciado na próxima 4ª Feira (17/12/2010).

Trata-se da definição do futuro da população de toda uma região com mais de 6 municípios e chega a ser cruel e criminoso o alijamento destas populações no processo que pode ter decidido a extinção de seus meios de sobrevivência provocando total inversão de suas tradições e degradação de qualidade de vida.

Se contrária aos interesses dessa população em atendimento aos escusos interesses de meia dúzia de empresários, a decisão a ser anunciada provocará sérios desgastes para o governo federal já no início do mandato de Dilma Rousseff e com ainda mais profundas repercussões nacional e internacional, após o início das atividades dos empreendimentos com previstos resultados negativos que tanto se evidenciam.

Todo o litoral de Santa Catarina será destruído, mas não a imagem do estado como paraíso turístico litorâneo do sul do país não será a única a ser afetada.

O extermínio político pretendido por um coronel local se consumará aqui em sua terra. E de tal forma negativa que de imprevisível, hoje, é apenas a amplitude desse desastre e quais suas consequências nacionais no universo eleitoral de 2014. Afora esse aspecto, os demais já estão plenamente previstos e assustadoramente comensurados, conforme pode ser depreendido deste manifesto de cientistas e acadêmicos:
 
 ...   

Manifesto do Comitê InterUniversitario

Sobre os grandes empreendimentos
projetados e apoiando a Campanha
de Amor à Ilha de Santa Catarina

Durante os dias 13 e 14 de outubro de 2010, nós professores/as, pesquisadores/as e estudantes das universidades catarinenses (UDESC, UFSC, UNISUL, UNIVALI), nos reunimos com participantes de movimentos comunitários, pescadores, maricultores, ambientalistas e cidadãos preocupados com o futuro da cidade e do estado, no III Seminário InterUniversitário para discutir diversos aspectos relacionados ao Projeto de Construção do Estaleiro OSX (Grupo Empresarial do bilionário Eike Batista) em Biguaçu, bem como ao Projeto da Fosfateira no município de Anitapólis (SC), vinculado hoje ao grupo da empresa Vale do Rio Doce.

O encontro reuniu cerca de 500 pessoas, dentre as quais pesquisadores das áreas de biologia, oceanografia, sociologia, geografia, arquitetura e urbanismo, direito, jornalismo, serviço social, antropologia, entre outras, com o objetivo de conhecer mais profundamente os dois projetos (Fosfateira em Anitápolis e Estaleiro OSX em Biguaçu) e os possíveis impactos ambientais, sociais e econômicos que podem gerar.

Chegamos à conclusão de que a situação é muito grave e temos de unir todos os esforços para enfrentarmos tais ameaças, pois as consequências, mesmo em curto prazo, serão irreparáveis para o território catarinense.

É importante esclarecer que quando empresas propõe projetos de grande monta, como estes, é obrigatório a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, esclarecendo os impactos e as formas previstas pela empresa para amenizá-los.

No caso destes dois empreendimentos a mesma empresa, CARUSO JUNIOR, foi contratada para a elaboração dos mencionados estudos. Ambos os relatórios afirmam a viabilidade dos projetos e que não causariam grandes impactos ambientais nas regiões onde se instalariam.

No Seminário mencionado, ao contrário do Relatório da empresa, constatamos várias irregularidades técnicas contidas nos Relatórios com estudos que contradizem as conclusões dos EIAs-RIMAs.

Em primeiro lugar, é fundamental mencionar o parecer elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - órgão federal de proteção ao meio ambiente, que desaconselha a autorização para construção do empreendimento. Resulta curioso que um dos técnicos que elaborou este Relatório foi destituído do seu cargo, exatamente porque o Relatório do ICMBio contraria o Relatório da Empresa de Consultoria contratada pelo Estaleiro OSX. Repudiamos energicamente este fato no seio de um órgão federal.

Em segundo lugar, no seminário foram apresentados pareceres técnicos elaborados de forma independente por pesquisadores capacitados e experientes nas áreas em questão. Esses pareceres demonstram que os Relatórios da empresa Caruso Junior apresentam lacunas e erros gritantes. No relatório referente ao projeto de estaleiro, por exemplo, foram catalogadas 52 espécies de peixes que viveriam na região afetada pelo empreendimento. Destas espécies, 47 foram escritas com nomes errados, duas são típicas de água doce (que sequer vivem em águas salgadas como a da região onde o Estaleiro pretende se instalar) e não constam peixes como a Anchova, tão comuns nas mesas dos pescadores e dos moradores da região.

No caso da Fosfateira de Anitápolis um parecer técnico elaborado pelo Comite de Bacias Hidrográficas do Rio Tubarão e Complexo Lagunar, em suas conclusões listou 14(quatrorze) motivos pelos quais entende que o projeto não deva ser licenciado identificando inúmeras inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental. Entre os vários pontos que se pode considerar críticos no empreendimento, podemos citar a interferência/impactos no leito do Rio dos Pinheiros, causado pela modificação do seu curso em função de barramento antrópico, seja pela barragem de captação de água ou pelas barragens de rejeitos que são projetadas para serem executadas a partir do eixo do Rio dos Pinheiros, tendo suprimida a vegetação nativa das margens de seus lagos/lâminas d’água, a serem cobertas de rejeitos, o que culminará em diversos impactos de grande relevância que afetarão significativamente as propriedades físicas, químicas e, por consequência, provocando alterações biológicas com reflexos na saúde humana. .

Na defesa destes empreendimentos é destacada a possibilidade de gerar desenvolvimento e empregos para a região onde se instalam. Entretanto, estas promessas -os maiores atrativos para convencer à população- devem ser enfrentadas criticamente

No caso do Projeto do Estaleiro OSX , cerca de  12.500 pessoas, segundo dados da EPAGRI, vivem hoje da pesca e da maricultura. Destas, 3500 diretamente,  assim como outros tantas famílias de agricultores, vivem da agricultura ecológica e do eco-turismo. Pessoas que teriam suas ocupações ameaçadas, bem como sua qualidade de vida e cultura modificadas drástica e irreversivelmente.

As políticas públicas e as decisões dos governos local, estadual e federal, deveriam em sua essência proteger/salvaguardar os empregos e ocupações já existentes, assim como o nosso patrimônio ambiental, em conformidade à Constituição. Ao mesmo tempo deveriam estimular o bem estar de toda a população, em respeito a sua cultura e a sua identidade.

No entanto, o que vemos no caso da Fosfateira e do Estaleiro OSX são medidas gestadas pelo Estado com objetivo único e exclusivo de atender e defender aos interesses empresariais, desconsiderando os interesses coletivos da população local. Os grandes empreendimentos passam por cima de toda a legislação, contando com apoio do sistema político para alterar Códigos e Leis, revelando a desigualdade no tratamento de mega-empreendedores e pequenos produtores familiares. É revelador neste ponto o fato de que, na área afetada pelo estaleiro, anos atrás, foi negada a permissão de pesca artesanal, em razão de ser esta uma área de proteção ambiental.

Restou evidenciado no seminário que as comunidades agricultoras, pescadores, maricultores e os moradores das regiões diretamente atingidas não foram consultados de forma correta e adequada, com amplo conhecimento dos impactos e das implicações das obras, como sugerem as leis de Planejamento Urbano, desconsiderando os saberes tradicionais e os direitos culturais que estas comunidades detêm e que as caracterizam.

Neste sentido, é necessário contestar a forma autoritária, apressada e enganosa com que o processo está sendo conduzido pelos órgãos competentes do poder público. Não é possível concordar com isto: é fundamental que a sociedade decida seu futuro de forma participativa fundada em estudos científico-técnicos, nos conhecimentos tradicionais dos moradores e na prudência no uso dos recursos naturais.

Chamamos atenção para o fato de que está em curso no litoral de Santa Catarina o Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro elaborado também por uma empresa de consultoria, a AMBIENS, em conjunto com a Secretaria Estadual de Planejamento de Santa Catarina. Este tem como finalidade elaborar o Diagnóstico Ambiental do litoral catarinense a ainda o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro - ZEEC. Os resultados técnicos destes produtos são de natureza amadora, tecnocrática e de qualidade duvidosa, pois não refletem a realidade socioambiental e econômica da zona costeira de Santa Catarina. Os relatórios apresentados pela empresa possuem dados defasados, inconsistentes e com qualidade técnica analítica e interpretativa inexistentes. O mesmo não possui visão de longo prazo e não traduz os anseios da sociedade costeira catarinense, pois a proposta do Zoneamento Costeiro é baseada num sistema de participação manipulativa, passiva e funcional.

Para o litoral Central de Santa Catarina o zoneamento referenda para o município de Biguaçu a instalação do estaleiro por meio da criação de uma Zona Portuária e Retroportuária baseada somente no Plano Diretor de Biguaçu, sendo este instituído em 2009, ou seja, durante a execução do EIA do estaleiro OSX no município. Nos produtos apresentados pela empresa AMBIENS sequer existem análises estratégicas sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos, em escala local e regional, decorrentes de empreendimentos de grande porte, como é o caso do estaleiro OSX.

Destaca-se que a qualidade dos produtos da empresa AMBIENS também é estendido para todo o litoral de Santa Catarina. Portanto, é necessário exigirmos urgente transparência, seriedade técnica e democratização na gestão do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (GERCO) transformado hoje, infelizmente, em espécie de viabilizador e promotor de investimentos privados, em detrimento de suas funções como instituição pública de planejamento criterioso dos recursos naturais do litoral do Estado.

É fundamental, no caso de Florianópolis, a retomada do processo do Plano Diretor Participativo e da discussão aprofundada acerca do uso da costa, das águas e dos recursos econômicos, culturais e ambientais afetados pelos empreendimentos propostos.

Acreditamos que existem outras formas de gerar trabalho e desenvolver um estado como Santa Catarina. Manter os empregos existentes hoje já é uma das maneiras de preservar a cultura e a identidade locais. Não precisamos destes projetos que beneficiam uma minoria e que desconsideram a população local e suas atividades. Não precisamos de empresas que querem somente tirar seus lucros e quando estes diminuem, simplesmente mudam-se de lugar num piscar de olhos, deixando para trás um rastro de problemas que serão herdados por nosso filhos e netos.

Não há medidas compensatórias que possam diminuir o impacto destes projetos! Somos, por tudo isso, contrários a instalação do estaleiro OSX, em Biguaçu, bem como da Fosfateira, em Anitápolis.

Temos hoje, elaborado pelas mãos da população no processo do Plano Diretor Participativo, propostas de desenvolvimento econômico, cultural e ambientalmente sustentável, onde o crescimento econômico seja posto a serviço da sociedade. É necessário garantir os espaços que viabilizam a participação popular nos municípios, nas áreas costeiras e nas unidades de conservação.

Temos cientistas, técnicos, pesquisadores verdadeiramente preocupados com os destinos sociais de seus saberes, e comprometidos com as propostas de desenvolvimento com preservação da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente.

Queremos que as autoridades que estão à frente dos poderes públicos apóiem projetos de desenvolvimento do Estado guiados não apenas por interesses imediatos, mas pelos interesses maiores de um futuro sustentável que nasça das mãos do povo catarinense e objetive nossas futuras gerações.
Comitê InterUniversitário (integrado por professores da UDESC, UFSC, UNISUL e UNIVALI)